Olá, leitoras e leitores
Em 2021, tive o prazer de participar, como aluna e ouvinte, do projeto "Leituras Urbanas: Literatura nas Ruas da Cidadania", coordenado pelo pesquisador e escritor Cristiano Nagel, numa extensa programação viabilizada pelo Programa de Apoio e Incentivo à Cultura, Fundação Cultural e Prefeitura Municipal de Curitiba com auxílio da UNINTER e Instituto Joanir Zonta.
Foram meses de atividades incríveis, entre oficinas dos escritores Luci Collin, Gloria Kirinus e Luís Henrique Pellanda, além de ciclos de leitura com Cris Nagel, Manu Assini, Carla Viccini, sobre diferentes autores e temas. Todo o projeto foi para mim fonte de profundo conhecimento, e de criatividade e generosidade de todos os profissionais envolvidos.
Anônimas
Poderia falar muito de cada uma das atividades do Projeto Leituras Urbanas, mas destaco aqui o Ciclo Anônimas, muitíssimo bem-preparado pela professora e mediadora de leitura Carla Viccini. Foi Carla quem me apresentou, nesse Ciclo, à poeta Amélia de Oliveira, que a história reconhece como a ex-noiva de Olavo Bilac.
Amélia viveu de 1868 a 1945 no Rio de Janeiro, era uma das filhas da família Mariano de Oliveira, irmã do poeta Alberto de Oliveira e de outros irmãos também poetas. De família abastada, os saraus realizados em sua casa eram frequentados pela nata da sociedade financeira e cultural do Rio de Janeiro. Foi em um desses encontros que conheceu Olavo Bilac, mais tarde reconhecido como o criador do parnasianismo brasileiro na poesia. Ele e o irmão Alberto Oliveira, também considerado um dos expoentes do Parnasianismo, eram amigos.
(única imagem disponível de Amélia, tirada em 1836)
Amélia e Bilac se apaixonaram, ele com pouco mais de 20, ela pouco mais de 17, logo ficaram noivos, toda a família fez muito gosto, como se dizia antigamente. Até que o pai de Amélia morreu e, embora fosse uma família de 15 irmãos, quem se tornou o patriarca da casa foi José Mariano de Oliveira, que mesmo tendo concordado inicialmente com o casamento, acabou por proibi-lo, sob pretexto de que Olavo Bilac era muito “boêmio”, para se casar com Amélia. E o noivado foi desfeito.
O sofrimento da separação ficou explicitado em muitos versos do poeta, sendo os mais conhecidos Panóplias, Via Láctea e Sarças de Fogo, publicados no livro Poesias, de 1888, que o consagrou. Nenhum dos dois jamais se casou, e, a partir de 1918, ano em que Bilac morreu, Amélia levou rosas vermelhas semanalmente ao túmulo dele, até a sua morte, aos 77 anos.
(Olavo Bilac, em 1888, foto de arquivo)
Silenciada
Até aí, essa seria mais uma história de amor, que daria roteiro para romance, filme, novela, série, etc. Mas não é esse o ponto que quero destacar.
Acontece que Amélia também escrevia lindos poemas e, empolgada com irmãos e noivo poetas, um dia ousou publicar um de seus escritos no Almanaque da Gazeta de Notícias.
Mas, para sua surpresa, recebeu do noivo, que à época trabalhava em São Paulo, uma carta em que relata a sua contrariedade com a publicação daqueles versos.
E A PROÍBE DE PUBLICAR NOVAMENTE. Com isso, ela nunca mais tornou público os seus escritos. Veja a carta de Bilac na íntegra e observe os argumentos do moço para impedi-la de publicar:
São Paulo, 7 de fevereiro de 1888
Minha Amélia,
Antes de tudo, quero dizer-te que te amo, agora mais do que nunca, que não me sais um minuto do pensamento, que és a minha preocupação eterna que vivo louco de saudade. Já te disse que há mais de dois meses tinha eu vontade de te escrever em liberdade, para coisa urgente. Trata-se sito: não me agradou ver um soneto teu no Almanaque da “Gazeta de Notícias” deste ano. Não foi o fato de vir em um almanaque o soneto que me desagradou: desagradou-me a sua publicação. Previ logo que andava naquilo o dedo do Bernardo ou do Alberto. Tu, criteriosa como és, não o farias por tua própria vontade. Folguei muito, depois, vendo a minha previsão confirmada por D. Adelaide. Devo confessar que fui o primeiro a insistir contigo para que publicasses versos. Cheguei mesmo a dar alguns aqui, no Mercantil. Fiz mal. Arrependi-me. Hás de concordar comigo. Há uma frase de Ramalho Ortigão, que é uma das maiores verdades que tenho lido: — O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser conhecida. — Não é uma grande verdade? Reflete sobre isto: há em Portugal e Brasil cem ou mais mulheres que escrevem. Não há nenhuma delas de quem não se fale mal, com ou sem razão. Além disso, quem publica alguma coisa fica sujeito a discussão, cai no domínio da crítica. E imagina que mágoa a minha, que desespero meu, se algum dia um miserável qualquer ousasse discutir o teu nome! Eu, que chego a ter ciúme do chão que pisas, eu que desejava ser a única pessoa que te pudesse ver e amar, – ouvir discutido o teu nome.
Ainda há bem pouco tempo, em São Paulo, um padre, escrevendo sobre Júlia Lopes, insultou-a publicamente. Eu nada tinha com isso. Mas tratava-se de uma senhora e mulher de um amigo meu: tive vontade de esmurrar o padre. E sem razão. Sem razão, porque uma senhora, desde que se faz escritora, tem de se sujeitar ao juízo de todos. Não quer isto dizer que não faças versos, pelo contrário. Quero que os faças, muitos, para os teus irmãos, para as tuas amigas, e principalmente para mim, — mas nunca para o público, porque o público envenena e mancha tudo o que lhe cai sobre os olhos.
Teu noivo Olavo Bilac.
Difícil acreditar...
É difícil de acreditar no conteúdo desta carta, não é verdade? Principalmente nos trechos que destaquei. Abaixo, o poema publicado e que provocou a proibição, que por sinal era dedicado a ele.
SONETO
Não te peço a ventura desejada,
Nem os sonhos que outrora tu me deste,
Nem a santa alegria que puseste
Nessa doce esperança, já passada.
O futuro de amor que prometeste
Não te peço! Minha alma angustiada
Já te não pede, do impossível, nada,
Já te não lembra aquilo que esqueceste!
Nesta mágoa sorvida, ocultamente,
Nesta saudade atroz que me deixaste,
Neste pranto, que choro ainda por ti,
Nada te peço! Nada! Tão-somente
Peço-te agora a paz que me roubaste,
Peço-te agora a vida que perdi!
Amélia de Oliveira
Poesias
Atualmente, é possível encontrar diversos poemas de Amélia de Oliveira na Internet, bem como informações sobre esse noivado. Há inclusive a edição de POESIAS ESCRITAS POR AMÉLIA DE OLIVEIRA, (que traz o detalhe ao alto da capa: a irmã de Alberto de Oliveira – como se uma mulher precisasse de apresentações como essa). A primeira publicação desse volume foi em 1950.
Na sua apresentação, o escritor Múcio Leão (1898-1969) diz que Amélia era tímida e retraída e que “se tivesse gostado de publicidade, seu nome estaria agora entre os das nossas melhores escritoras”. Amélia de Oliveira permaneceu silenciada e anônima a vida toda e, ao que tudo indica, a culpa ainda foi dela, já que “não gostava de publicidade”. Dá para acreditar?
Marias
E, por falar em silenciadas e anônimas, quem me acompanha nas redes sociais sabe que já estamos anunciando o lançamento do meu livro de contos Marias, repleto de mulheres igualmente anônimas e silenciadas.
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Até semana que vem!
Vanessa
quanto conhecimento sua news sempre me traz, Van. quantas descobertas. e que carta passivo-agressiva é essa?! difícil aceitar esse tipo de verdade. embora possa ser tão factível hj em dia. sorte a minha que não o ser no meu entorno próximo.
Nossa é muito doído saber de tanta arbitrariedade contra o gênero, contra a arte, enfim contra o ser humano. Há muito ainda por lutar, e vencer. Obrigada por estar nessa luta querida Vanessa e nos dando consciência.