Olá leitoras e leitores, tudo bem? Já leram alguma obra de Doris Lessing?
Ela nasceu no dia 22 de outubro de 1919, como Doris May Tayler, em Kermanshah, na Pérsia, atual Irã, onde o pai, britânico, era caixa no Imperial Bank of Persia. Em 1925, a família se muda para a Rodésia do Sul, hoje Zimbábue, para gerenciar uma fazenda. Durante toda sua infância, ela foi dominada pela mãe, determinada a fazer com que a filha obedecesse às rigorosas regras britânicas de comportamento à época para uma menina, o que, evidentemente, não se encaixava com a inquietude da garota. Rebelde e infeliz. Os pais a enviaram então para uma escola de meninas em Salisbury, de onde fugiu, aos 13 anos, encerrando assim sua educação formal.
A maioria das fotos divulgadas de Doris Lessing a apresentam já na maturidade, o que contrasta com a jovialidade e força de sua Literatura.
Fora da escola, ela começa a alimentar sua imaginação com os livros que chegavam sob encomenda da Inglaterra, com autores como Dickens e Kipling e muitos outros clássicos, que lia enquanto trabalhava como babá, telefonista e secretária de uma firma de advocacia. Mais tarde, aprofundou suas leituras sobre política e sociologia.
Ainda em Salisbury, ela se envolveu com um grupo literário comunista. Um dos membros era Gottfried Lessing, com quem ela se casou em 1945 e teve um filho. Um casamento que não durou muito tempo. Era seu segundo casamento, pois já havia sido casada, em 1939, com Frank Wisdom, com quem teve um casal de filhos.
Em 1949, muda-se apenas com o filho mais novo para Londres. Autodidata, publica seu primeiro livro em 1950, A erva canta, um livro sobre o caso entre a esposa de um fazendeiro branco e um empregado africano, que se transformou em best-seller e revolucionou a forma de mostrar um relacionamento entre raças diferentes. O livro foi aclamado pela crítica e fez grande sucesso na Europa e nos Estados Unidos.
Foi na convivência com intelectuais e escritores que se opunham ao sistema de segregação racial vigente na Rodésia, além de socialistas e exilados europeus que lutaram na II Guerra Mundial contra o nazismo e o fascismo e até com sua própria história, que ela se inspirou para escrever os cinco volumes de Os filhos da violência, uma série escrita entre 1951 a 1959, em que expõe seus ideais e questiona a guerra, o racismo, asociedade como um todo e o papel da mulher na família.
A ousadia de sua escrita lhe valeu a condição de persona non grata na África. Assim, devido ao seu posicionamento público contrário à exclusão dos negros, foi considerada uma imigrante inglesa e, como tal foi, em 1956, proibida de entrar na Rodésia. Ela só seria bem-vinda novamente na década de 1980, após a independência do país, que passou a se chamar Zimbábue. Com isso, pode escrever diversos livros tendo como pano de fundo a África.
Em 1962, publicaria O Carnê Dourado, uma história de muitas camadas sobre a personalidade feminina. Considerado até hoje como sua obra mais representativa, este livro transformou Lessing à época em um ícone do crescente movimento feminista, algo que ela rejeitou com veemência.
É a história de Anna, uma escritora de sucesso que possui quadro cadernos de notas. Em um, de capa preta, ela relembra a experiência na África na sua juventude. No de capa vermelha ela rememora sua vida política, sua desilusão com o comunismo. No de capa amarela, ela escreve um romance no qual a heroína revive parte de sua própria experiência. E no caderno azul, ela mantém um diário pessoal. Finalmente, apaixonada por um escritor americano e ameaçada pela insanidade, Anna resolve reunir as linhas dos quatro cadernos juntos em um carnê dourado.
Mais autobiográfico impossível.
No entanto, Lessing assumiria como autobiografia os três volumes publicados entre 1994 e 1997, intitulados Debaixo da minha pele, Andando na sombra e Alfred e Emily.
Deles, li apenas o primeiro, no qual ela conta toda a sua infância na África até sua chegada em Londres, em 1949, levando o manuscrito de seu primeiro romance. Em suas últimas páginas, no entanto, ela dá um salto no tempo para abordar o episódio do assassinato de seu segundo marido, Gottfried Lessing, que ocorreria em 1979, durante a rebelião contra Idi Amin Dada, então ditador do país.
O livro traz uma mulher inflexível, que quebra regras, que luta contra as amarras que sua formação e seu ambiente lhe impunham. Ao refazer a vida por escrito, Doris Lessing mantém a disposição para o enfrentamento e interroga: "Haverá alguma coisa inerente em nós que nos predispõe para a dor e para as lembranças da dor, de tal forma que os dias ou até mesmo semanas de momentos agradáveis se mostram menos convidativos que a dor?"
Amor, de novo é outro livro que me encantou, publicado em 1996. É a história de Sarah Durham, de 65 anos, que se apaixona perdidamente e, em estado de amor, teme perder a razão. "...o tempo todo, impalpáveis, invisíveis, cinzas choviam pelo ar, cinzas que só podiam ser vistas quando uma boa camada se assentava, nela, nos mais velhos, nos idosos, cinzas e pó desbotando as cores da pele e do cabelo".
“Podem o amor e o desejo sobreviver ao tempo? Os desejos e anseios da pessoa apaixonada têm suas raízes na necessidade de amor da primeira infância”, diz Doris Lessing neste romance. Lindíssima reflexão sobre sentimentos, envelhecimento, tempo, solidão e paixão.
Em 2003, teríamos o livro As avós. Editado no Brasil pela Companhia das Letras, a autora traz neste livro mais ousadia, esmiuçando as complexidades e armadilhas da relação de duas mulheres. São duas amigas inseparáveis desde a infância. Cresceram, casaram, tiveram filhos, e vivem num lugar paradisíaco. Morando em casas vizinhas, elas criam os filhos por conta própria - e eles se tornam adolescentes encantadores. Tão encantadores e próximos, que Roz e Lil se envolvem uma com o filho da outra.
Desconcertante e típico da grande literatura, o que poderia parecer repulsivo é tratado com naturalidade e bom-humor, fazendo a quebra de tabus soar como regra, e não como dramática exceção. Temas como amizade, maternidade e sexualidade ganham novos contornos e retratam a força com que as duas amigas confrontam as convenções familiares e sociais de sua época.
Prêmios recebidos e um título rejeitado
Doris Lessing continuou a escrever e publicou mais de 50 obras, entre romances, contos, peças teatrais. Muitas delas premiadas pelo mundo. Sempre inquieta, se aventurou a escrever ficção científica no final dos anos 1970, quando lançou a série de livros Canopus in Argos, em que retrata um futuro sombrio, marcado pela tirania e catástrofes naturais. A partir de 1997, a escritora adaptou alguns de seus livros para libretos de ópera, por encomenda de Philip Glass.
Em 1999, foi agraciada pela rainha Elizabeth II com o título de Companheira de Honra, mas rejeitou o título de Dama do Império Britânico, por considerar que tal império já não existia.
Típico de Lessing!
Nobel de Literatura
Em 2007, Doris Lessing recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. De acordo com o comunicado oficial da Academia Sueca, a escritora foi agraciada por transmitir a “experiência épica feminina”, que descreveu com “ceticismo, ardor e força visionária”. Foi a 11ª. mulher a receber o Nobel de Literatura, tornando-se a escritora mais velha a obter o prêmio, aos 88 anos.
Em seu discurso, Lessing destacou apenas a biblioteca que ajudou a financiar e organizar a fim de levar livros para áreas rurais pobres do Zimbabwe. Semanas depois da cerimônia, dizem que reclamou do tempo que perdia dando entrevistas por causa da premiação, o que atrapalhava a sua produção literária.
Ela morreria em 2013.
E para encerrar
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Até a semana que vem.
Dos "doze em um..." só as meninas leram Doris Lessing. Nesta época, décadas de 70 e 80, eu me voltei para a leitura e o estudo da literatura brasileira, portuguesa e latino-americana. Li toda poesia de Machado de Assis; Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz e Florbela Espanca. Dos latino-americanos, Gabriel Garcia Marquez, Gabriela Mistral, Pablo Neruda... Além dos clássicos gregos e romanos. A Doris Lessing foi a única que eu não li, mesmo porque não estava no meu radar. Em compensação eu li Carolina Nabuco, Zélia Gattai, Adalgisa Nery, Maria Clara Machado e Lúcia Miguel Pereira. Li também Cecília Meireles, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles, por orientação da minha professora de literatura. No meu livro "o arquiteto do imaginoso..." essas leituras se fizeram presentes na prosa e poesia que produzi nessa época. Sempre aprendo com você, Van. Forte abraço. Boa noite.
A cada texto seu, Vanessa, me vem o pensamento do que teria sido minha trajetória literária - mesmo considerando somente a leitura - se não tivesse havido uma interrupção de quase 50 anos... Fico imaginando quantos livros eu teria lido, quanto teria aprendido, e como eu poderia trocar com você todo esse conhecimento!