Olá, leitora, olá leitor. Tudo bem?
“Um livro cabe em uma bolsa, mas dentro de um livro, cabe o mundo inteiro”.
Esta newsletter é dedicada à pessoa que, ao me oferecer uma singela xícara de chá em uma tarde fria, me disse essa frase. E antes que termine março, mês de seu aniversário, quero falar dela, uma das personalidades literárias mais conhecidas no Brasil, a inesquecível Tatiana Belinky. Ela já foi tema de outra News, mas vou falar de novo, porque o que é bom tem que ser revisto sempre.
Ela nasceu em um dia 18 deste mês, em São Petersburgo, na Rússia, e tornou-se mais brasileira que muita gente. Ainda criança, com pouco mais de dez anos, chegou em São Paulo, vinda da Letônia. Era setembro de 1929, sua família fugia do conflito sino-soviético e da crise econômica que abalou o mundo naquele ano. A mãe, que era cirurgiã-dentista, conseguiu trabalhar em um consultório dois meses depois da chegada, enquanto o pai, poliglota, representava grandes firmas de celulose no Canadá, Estados Unidos e Suécia.
Tatiana Belinky: viveu entre nós até os 94 anos, com talento, criatividade e esse olhar maroto a vida inteira. (foto: arquivo público)
Nessa altura, a garota já era fluente em russo, alemão e letão. E não demorou para aprender inglês, francês e português. Aos dezoito anos, começou a trabalhar como secretária-correspondente bilíngue. Aos vinte, ingressou na faculdade, no curso de Filosofia, que abandonou quando se casou com o médico e educador Júlio Gouveia, em 1940. Pouco depois, com a morte de seu pai, Tatiana assume os seus negócios.
Júlio Gouveia fez medicina e especializou-se em psiquiatria. Mas, ao conhecer a jovem russa Tatiana Belinky, deu vasão à sua forte inclinação artística e a levou junto. Foi aí que ela entrou em nossas vidas. O casal começou a trabalhar em adaptações, traduções e criações de peças infantis. Tatiana escrevia e Júlio dirigia.
O casal Tatiana e Júlio dedicou-se ao teatro e televisão durante décadas, ele na direção e ela na adaptação de roteiros. (fotos arquivo público)
Em 1948, montam o grupo “Teatro Escola de São Paulo” (TESP). Com o apoio da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, passam a fazer apresentações em diversos teatros da capital, parceria que durou quase três anos. Em 1951, o grupo foi convidado para se apresentar na TV Paulista. E em 1952, são convidados pela TV Tupi para um programa fixo. Foi nessa emissora que, durante 13 anos, o TESP apresentaria o programa “Fábulas Animadas”, com roteiros dela e direção dele. Era o começo dos anos que marcariam a história dos programa infantojuvenis no Brasil, sob o comando de Tatiana Belinky e Júlio Ribeiro.
É então que resolvem fazer a primeira adaptação para televisão de O Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. O sucesso foi estrondoso e o programa seria apresentado na emissora até 1966, com 350 episódios apresentados.
Duraria mais dois anos, no mesmo formato, na TV Bandeirantes. Foi um marco na obra lobatiana e o começo de uma história que duraria décadas, com várias versões transmitidas em diversas emissoras.
Primeira versão de O Sítio do Picapau Amarelo na TV Tupi, com adaptação de Tatiana Belinky e direção de Júlio Gouveia. As apresentações eram semanais e ao vivo. Foram 350 episódios, que popularizaram ainda mais a obra de Lobato e o trabalho de Belinky. (arquivo Infan Tv)
Ela também...
Atuou nos jornais O Estado de São Paulo, Folha de S.Paulo e Jornal da Tarde, escrevendo colunas semanais, publicando artigos, crônicas e crítica literária, durante anos. Traduziu diversos clássicos russos, principalmente de Tchekhov e Tolstoi. E ainda se tornou presidente da CET (Comissão Estadual de Teatro de são Paulo). Foi presidindo a CET que Belinky criou a Revista Teatro da Juventude, material considerado histórico hoje por reunir toda a produção teatral estudantil e amadora da época, com dez a doze textos por edição. A Revista foi publicada durante sete anos, com 43 números e mais de 240 textos teatrais publicados, além de dezenas de artigos, sob o comando de Tatiana.
Tudo isso, enquanto criava André e Ricardo, seus filhos com Júlio.
Na década de 1970, Tatiana Belinky passa a trabalhar na TV Cultura, ainda com textos teatrais voltados para crianças e jovens. Em 1984, ela lança Teatro da Juventude, que reúne suas adaptações ao longo dos anos. Ela voltaria para TV Cultura na década de 1990, já aos 72 anos, para ser roteirista do emblemático programa O mundo da lua.
Tatiana Belinky sempre foi roteirista, poeta, ficcionista, tradutora, dramaturga e tantas outras atividades ligadas à Literatura. (foto: arquivo público)
E seus livros
É em 1985 que vai, finalmente, surgir como escritora, quando lança A Operação Tio Onofre e Medroso! Medroso! A partir daí, nunca mais parou, para a nossa sorte. Sua obra é repleta de humor, fantasia, crítica social e carinho – sim, carinho, seus livros parecem que nos abraçam.
Publicou mais de 250 livros, entre autorais, adaptações e traduções. Para mim, alguns são inesquecíveis, como os seus diversos Limeriques, O Grande rabanete, O caso dos bolinhos, A cesta de dona Maricota. Destaco aqui seu conhecido e tão necessário poema Diversidade, lançado em 1999, e publicado em forma de livro por diversas editoras:
A escritora recebeu vários prêmios, entre eles, o da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil de 1993, categoria Criança, com A saga de Siegfried, livro também foi premiado com o Jabuti no ano seguinte. Em 1989, receberia o Prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano. Seriam ainda premiados pela FNLIJ Sete contos russos, em 1995, e Um caldeirão de poemas, em 2003. Ela receberia muitos outros prêmios e seria eleita para a Academia Paulista de Letras em 2009.
Júlio Ribeiro morreu em 1989, aos 75 anos, poucos meses antes do casal completar suas bodas de ouro no casamento. Já Tatiana partiu em 2013, viveu até os 94 anos, escrevendo, contando histórias e nos encantando.
Para encerrar
Fui como jornalista, em 2009, à casa de Tatiana Belinky fazer uma entrevista (infelizmente não tenho fotos deste nosso encontro). Ela, com 90 anos completos, me atendeu alegremente, com pés descalços e muita vitalidade. Me mostrou muitos livros e falou sobre a sua alegria de ter vivido entre eles. Conversamos longamente sobre a importância da Literatura em nossas vidas.
Eu estava em êxtase diante da presença daquela que me inspirou tanto por muitos anos. Foi nesta conversa, entre chá e pequenas bolachas doces, que ela me disse a inesquecível frase com a qual comecei este texto. “Veja, um livro cabe em uma bolsa, mas dentro de um livro, cabe o mundo inteiro”. Jamais me esquecerei. Obrigada, querida Tatiana Belinky.
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Até a próxima.
Tem que falar sim... de novo e de novo...obrigada por lembrar desta escritora incrível.