Para começo de conversa
Somos leitoras e escritoras!
Resultados da última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro/Itaú Cultural e Ibope, divulgada em 2020, revelam que 52% dos leitores brasileiros são mulheres e 48% homens. Viva! Mas a mesma pesquisa informa que, de uma lista de 15 autores mais lidos em 2019, somente quatro eram de escritoras sendo três brasileiras (Clarice Lispector, Cecília Meirelles e Zíbia Gasparetto, além da inglesa Agatha Christie).
E qual é o cenário da produção literária brasileira feita por mulheres? De acordo com pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, vinculado à Universidade de Brasília (UNB), mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras entre 1965 e 2014 foram escritos por homens. De lá para cá, muitos livros foram publicados, inclusive de maneira independente, por novas escritoras. Resistimos, enfrentamos, produzimos.
Mas é precisosempre fazer a pergunta que não pode calar: porque literatura produzida por mulheres é “literatura feminina” e a produzida por homens é... Literatura? Questões estruturais, patriarcado, machismo, inúmeras discussões e justificativas, sobre as quais, se você não se ateve, fica a dica. A questão é muito séria.
E vem de longe...
Basta dizer que a França, berço do modelo da Academia de Letras no mundo, elegeu uma escritora para suas cadeiras somente em 1980, mesmo tendo sido criada em 1635! A Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897, foi composta exclusivamente por homens até 1977. Importante destacar que o movimento de criação de nossa Academia, formado por grandes escritores e intelectuais da época, contou com a atuação vibrante da escritora Julia Lopes de Almeida que, no entanto, foi impedida de sua posse por ser mulher. Machado de Assis, escritor que adoro, presidente da instituição à época, justificou o ato, informando que a Academia Brasileira havia sido criada nos moldes da francesa e que, portanto, não contemplaria escritoras. Rachel de Queiroz foi a primeira mulher eleita para uma de suas cadeiras 80 anos após sua fundação. Ainda assim, em 125 anos de existência, apenas nove mulheres ocuparam as cadeiras de nossa Academia.
Ok, estamos avançando, embora a igualdade de oportunidades ainda esteja longe de ser uma realidade no mercado editorial. Muito são os dados que escancaram esse cenário e não vou colocá-los todos na News de hoje.
Mas faço aqui um desafio:
Olhe em sua estante e conte quantos livros escritos por homens e quantos escritos por mulheres você possui. E, se topar a brincadeira, coloque aqui nos comentários. Nos diga também qual foi o último livro produzido por uma mulher que você leu.
E por falar em temas importantes
Eu ia postar este texto no dia 3 de maio, exatamente um mês após a partida de Lygia Fagundes Telles para outro plano. Ela seria, de qualquer forma, a primeira escritora que eu abordaria nesta News, já era uma decisão tomada. Só não sabia que escreveria sobre ela nesse luto literário.
E por que Lygia? Porque Lygia! Simples assim, porque Lygia, a meu ver, é única. Porque ler sua obra é ter contato com o que há de mais verdadeiro com aquilo que somos. Ela trata de temas universais, tocantes, dramáticos, irônicos, como que falando de nossa vida, acontecendo ali, dentro de nossa casa. E o faz com tanta maestria, com tanta elegância, que nos emociona, nos impacta, nos arrebata.
E o que dizer da sua figura pública, do seu engajamento política, do seu comprometimento com a Educação e Cultura brasileiras? Lygia, que na década de 1970, em pleno governo militar, denunciou no seu livro As Meninas os horrores da tortura praticada pela ditadura no Brasil, em um diálogo que começa até bem singelo, no qual uma das meninas lê para a freira responsável pelo pensionato onde moram a carta que chegou às suas mãos, escrita por um preso político. O texto descreve as barbaridades das torturas que o rapaz sofreu nos porões da ditadura, um relato terrível e repugnante, para dizer o mínimo.
O livro passou pelo censor, que não chegou a ler até o final – portanto, não leu esse trecho – e que ainda registrou em seu parecer que aquele romance era “coisa de mulher”, liberando-o sem cortes. Seria cômico se não fosse trágico. Mas para nossa sorte, está lá, na ousadia de Lygia, a denúncia que poucos tinham coragem de fazer à época. E, se neste livro, ganhador do Prêmio Jabuti de 1974, há tão dolorosas palavras, há também momentos da mais pura magia, como a seguir:
Inclinou-se para os lados, numa profunda reverência, os braços em arco para trás, as mãos se tocando como pontas de asas entreabertas. Agradeceu recuando um pouco, o sorriso modesto posto no chão. Mas empolgou-se ao colher uma flor no ar, beijou-a, atirou-a triunfante para as galerias e voltou rodopiando à janela. Acenou para a jovem que esperava de braços cruzados no meio da alameda. Levou as mãos ao lado esquerdo do peito e suspirou com ênfase.
Agora, diga aí se palavras como “...sorriso modesto posto no chão” ou “...suspirou com ênfase” não são de arrepiar!
E o que dizer dos contos? Livros como Antes do Baile Verde, Seminário dos Ratos, Coração Ardente, entre outros, são fantásticos, profundos, verdadeiros e, alguns, cruéis. Alguém aí leu o conto Venha ver o por do sol? Sugiro que leiam e depois conversaremos aqui sobre o que ele nos traz.
E quase foi Nobel de Literatura
Quanto aos prêmios, foram muitos nacionais e internacionais, muitos mesmo que nos enchem de orgulho. E com a distinção de ter sido, em 2016, aos 96 anos, a primeira mulher brasileira a ser indicada ao prêmio Nobel de Literatura. Não levou porque a decisão foi entregá-lo a um homem, o cantor Bob Dylan!
Bom, depois dessa, vou ficando por aqui. Semana que vem tem mais. Se você gostou, compartilhe esta publicação.
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Até mais.
Vanessa Meriqui
"Olhe em sua estante e conte quantos livros escritos por homens e quantos escritos por mulheres você possui. E, se topar a brincadeira, coloque aqui nos comentários. Nos diga também qual foi o último livro produzido por uma mulher que você leu." (Vanessa Meriqui)
Por alto, Vanessa, tenho 277 livros escritos por mulheres aqui em casa. Entre elas: Adalgisa Nery, Adélia Prado (todos os poemas), Adriana Falcão, Alice Ruiz, Ana Holanda, Ana Maria Machado, Ana Maria Gonçalves, Ana Miranda, Anne Bronte, Carla Madeira, Carolina Maria de Jesus, Catherine Beltrão, Cecília Meireles (todos os poemas), Clarice Lispector, Charlotte Bronte, Cora Coralina, Emily Bronte, Harper Lee, Gabriela Mistral, Jane Austen, Julia Lopes de Almeida, Katherine Mansfield, Katherine Paterson, Lilia Moritz Schwarcz, L. M. Montgomery, Lygia Fagundes Telles (todos os livros dela); Lygia Bojunga Nunes (todos os livros dela), Lúcia Miguel Pereira, Lorena Saraiva, Luciana De Gnone, Lya Luft, Maria Clara Machado, Maria José Dupré, Maria Valéria Resende, Marina Colasanti, Martha Medeiros, Mary Del Priore, Maya Angelou, Paulina Chiziane, Raquel de Queiroz (quase toda obra dela); Simone Beauvoir; Telma Theodoro, Vanessa Meriqui e Virgínia Woolf. Contando por alto, Vanessa, dos quase 600 livros que tenho aqui em casa, a maioria é de autores, mas de poucos autores, só os clássicos mesmo. Tenho 277 livros de autoras, clássicas e contemporâneas. Em 1974, um ano depois de seu lançamento, lemos "As meninas" da Lygia Fagundes Telles. O último que li foi o "De medos e assombrações" da Cora Coralina.
Olha só, a Agatha estava aqui também! Temos muuuito a aprender, conquistar, realizar.... Adorei, Vanessa!