Olá, leitora. Olá, leitor. Tudo bem?
Hoje vou falar de duas Marias. Aliás, duas Marys, duas Marys Wollstonecraft, mãe e filha, duas mulheres à frente de seu tempo, duas escritoras. Gosto de dizer que viriam a ser avó e mãe de Frankestein, o romance escrito há mais de 200 anos, que ainda suscita debates sobre questões como a rejeição do diferente ou a vontade do homem em transpor os limites da natureza, temas que tanto chacoalharam a sociedade no século 19 como continua a cutucá-la em pleno século 21.
Mas antes que o mundo conhecesse o ser humanoide criado por um cientista enlouquecido, no livro considerado precursor da literatura de horror e ficção científica, tanto Mary Wollstonecraft mãe, como Mary Wollstonecraft filha, já haviam desafiado muitas regras na Inglaterra dos séculos 18 e 19.
A mãe
Nascida em abril de 1759, Mary Wollstonecraft-mãe é considerada uma das primeiras pensadoras feministas publicadas na Europa. Foi escritora, filósofa e pioneira do ativismo das mulheres. Somente nos seus primeiros anos teve uma vida confortável, até que o pai perdesse toda a fortuna da família e ela passasse a conviver com violência doméstica (muitas vezes precisou proteger a mãe e as irmãs das surras vindas do pai alcoólatra).
Saiu cedo de casa e depois de trabalhar alguns anos como governanta e professora, decidiu tornar-se escritora. Foi assim que confrontou pensadores consagrados de seu tempo logo em sua primeira publicação: “Pensamentos sobre a educação das filhas, com reflexões sobre a conduta feminina nos mais importantes deveres da vida”. O livro foi publicado em 1787, pelo editor liberal Joseph Johnson, uma parceria que duraria anos. Em 1788, ainda respondendo às repercussões de seu primeiro livro, publicaria “Mary: a fiction”, seu único romance, também considerado feminista.
Mary Wollstonecraft nasceu em Londres, em 1759. Morreu aos 38 anos, também em Londres.
Ainda naquele ano de 1788, lançaria “Original Stories”, quando se valeu do recém surgido gênero de literatura infanto-juvenil para promover a necessidade de uma educação sistematizada para as mulheres, como filosofia, matemática, história natural, botânica, escrita e leitura, entre outras matérias, defendendo que elas seriam capazes de se tornarem adultos melhor preparados se fossem educadas devidamente em criança, algo impensável no século 18.
Foi com esse trabalho que desenvolveu uma pedagogia própria, contrapondo-se aos trabalhos de dois dos mais importantes teóricos daquele século: John Locke e Jean-Jacques Rousseau, que defendiam que a mulher deveria ser educada sim, mas para agradar os homens. Era defensora de uma educação pública, obrigatória e mista, como forma de nivelar a formação de homens e mulheres, e sob o cuidado do Estado.
O seu mais famoso livro, “Uma reivindicação pelos direitos da mulher”, foi considerado um marco do feminismo na Inglaterra do século 18.
Em 1794, escreveu o seu mais famoso livro, “Uma reivindicação pelos direitos da mulher” como forma de contestar vários pensadores da época. Um dos pontos que mais debatia era o diferente padrão moral entre os gêneros: era contrária à moral do ‘homem pode, mulher não’, que condena mulheres por certas atitudes e alivia os homens pelo mesmo comportamento, defendendo que ambos os gêneros deveriam ser julgados pelo mesmo padrão moral. Imagina isso naquela época! O fato é que a primeira edição se esgotou no primeiro ano e o editor Joseph Johnson, além de lançar rapidamente a segunda, logo providenciou outra edição americana, além de traduções para o francês e o alemão.
Como autodidata, Mary aprendeu francês e alemão, assim trabalhou como tradutora e revisora, principalmente de romances, para a revista Analytical Review, também de Johnson. E publicou vários ensaios sobre diferentes temas, sempre ligados a questões da mulher e sociedade. Foi sua uma das primeiras reivindicações pelo voto feminino na Inglaterra. Apoiadora da Revolução Francesa, atravessou o Canal da Mancha para vê-la acontecer com os próprios olhos, defendia os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Foi uma mulher apaixonada, teve uma filha sem ser casada (e com um homem já casado), o que escandalizou ainda mais os que a repudiavam. Tentou suicídio duas vezes, sobreviveu e continuou a escrever.
Literatura, feminismo, relações pessoais pouco convencionais, revolução francesa, filosofia, tudo isso foi vivido por Mary Wollstonecraft em pouquíssimo tempo de vida. Ela morreu aos 38 anos, em 1797, no parto de sua filha, Mary, quando estava casada com o filósofo, escritor e jornalista William Godwin.
A filha
Mais conhecida por Mary Shelley, foi a segunda filha da filósofa Mary e a primeira de William Godwin. Mesmo sem conhecer a mãe, inspirou-se em seu trabalho e em sua figura pública. E ainda que não tenha frequentado qualquer escola formal, teve boa formação, inclusive literária, principalmente por parte do pai. Tornou-se escritora, dramaturga, biógrafa, tradutora e autora de literatura de viagens. Ela ainda editou e promoveu os trabalhos de seu marido, o filósofo, jornalista e poeta Percy Shelley. E sua vida foi tão pouco convencional quanto a de sua mãe.
Mas, como sabemos, o que a tornou famosa foi seu romance “Frankenstein ou O Moderno Prometeu”. Obra mundialmente conhecida, foi escrita em 1817 e seria publicada um ano depois. E, pasmem, como autor anônimo, sem que o seu nome constasse na capa do livro, porque não foi permitido a Mary que o assinasse. O pior é que leitores e até críticos consideravam que o marido, Percy Shelley, fosse o autor, já que o livro trazia um prefácio assinado por ele. Quando ele dizia que o livro era de autoria de Mary, não acreditavam, afinal, diziam, uma jovem, com apenas 20 anos, não teria imaginação para tanto. Tá bom...
A primeira edição de “Frankenstein ou O Moderno Prometeu” saiu como autor anônimo, sem que o nome constasse na capa do livro, porque não foi permitido a Mary Shelley que o assinasse.
Embora tenha publicado várias obras, inclusive como editora dos poemas de seu marido após a morte prematura dele, Mary Shelley foi considerada, durante quase todo o século 19, como autora de um livro só. Na verdade, viúva aos 25 anos, com um filho para criar (os três mais velhos haviam morrido), ela lutou para ser uma escritora profissional e dedicou toda a sua vida a isso. Escreveu vários romances depois de Frankenstein, como Mathilda (1820), Valperga (1822), O Último Homem (1826), A fortuna de Perkin Warbeck (1830), Lodore (1835) e Falkner (1837). Além de contos, biografias, livros de viagens, artigos e ensaios.
Um século depois, seu trabalho seria reconhecido. Nas últimas décadas, a republicação de quase todo o conjunto de sua obra estimulou um novo reconhecimento de seu valor. Os escritos de Shelley hoje são foco de diversos estudos sobre o seu papel político de então. Ela tem romances que tratam de questões da família e da sociedade, especialmente na educação e no papel social das mulheres. Critica a cultura patriarcal e, assim como sua mãe, propõe paradigmas educacionais igualitários para mulheres e homens. Morreu aos 53 anos, na Inglaterra, onde vivia com seu filho e nora.
Para encerrar
A vida de Mary Shelley foi bastante tumultuada, impossível reproduzi-la nesta News. Começando pelo escândalo provocado por sua paixão e fuga com Percy Shelley, aluno de seu pai, com quem fugiu quando tinha apenas 16 anos. Ele já era casado e tinha 22. Viveram por quase dez anos juntos, até ele morrer num naufrágio. Ela nunca mais se casou, mas também nunca parou de viajar e produzir seus escritos. Eu li várias biografias sobre ela e sua mãe. Acho que vale a pena você conhecer mais sobre essas duas mulheres incríveis.
E se você gostou desta edição, divulgue. Vamos falar mais da Literatura produzida por, para e sobre mulheres.
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Obrigada pela leitura e até mais.
… continuando Mary Júnior é à Revolução Industrial e seus desdobramentos. O Prometeu Moderno do subtítulo diz respeito a um segundo roubo do fogo dos deuses, temerariamente oferecido a uma humanidade irreflexiva e em estado de hybris permanente. O primeiro foi o fogo da indústria, que destruiu o planeta. O segundo é o da ciência, que está criando monstros. Shelley profetiza. E a história da concepção da história é tão boa quanto. Beijo
Van, essas suas eram mesmo da pá virada. A Rosa Monteiro conta as histórias de ambas com a verve habitual, num livro que se chamava Mulheres, mas recentemente mudou de título. A grande crítica da grande