Paulina Chiziane e a Timbila
Foi por causa de uma timbila que a escritora moçambicana, ganhadora do Prêmio Camões, foi agredida em seu país?
Olá, leitora. Olá, leitor, tudo bem?
Pois é, quando pensamos que atitudes radicais ao redor do mundo - sejam geopolíticas, religiosas, esportivas ou por quaisquer outras diferenças - já atingiram o seu absurdo, nos deparamos com a notícia do ocorrido no último domingo, quando a escritora moçambicana Paulina Chiziane, expoente da Literatura mundial, juntamente com sua equipe, foi agredida física, verbal e psicologicamente. Alguns componentes de sua equipe foram parar em um hospital.
De acordo com declarações da escritora à imprensa de seu país, ela estava gravando um vídeo em Maputo, capital de Moçambique. Ao captar algumas imagens, as agressões partiram de seguranças de uma igreja nomeada "Divina Esperança”, a mando do pastor, que a acusava de "bruxaria", pelo fato de ter em seu carro uma Timbila.
Pasmem, Timbila é um instrumento musical de percussão, do tipo xilofone, tradicional dos chopes de Moçambique, reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, em 2008. Sim, eu também fiquei pasma. As timbilas são fabricadas com placas de madeira, tendo como caixas de ressonância as cascas de frutos silvestres. Possui várias e dimensões, podendo formar uma orquestra, capaz de um som lindo. E talvez por isso, assuste tantos ignorantes impossibilitados de lidar com o belo...
Militância e resistência
Mas não sejamos ingênuos, há outra questão por trás disso. Na verdade, a escritora vem criticando publicamente a proliferação de seitas religiosas em África, alertando para as consequências nefastas do fundamentalismo, principalmente para a identidade cultural do continente.
E este perfil militante de Chiziane não é de hoje. Ela nasceu em uma pequena vila rural, em 1955, mas logo mudou-se para a capital Maputo. Cresceu em meio a uma educação muito conservadora, somada a costumes impostos pelo colonialismo português. Neste cenário, desde muito jovem, engajou-se em diversas lutas.
Começou atuando pela independência do país, na Frente de Libertação de Moçambique. Foram anos de luta armada entre guerrilheiros moçambicanos e soldados portugueses. Logo após a independência, que viria somente em 1975, começa uma terrível guerra civil no país, que duraria até 1992. Paulina Chiziane continuou atuando politicamente e como voluntária na Cruz Vermelha durante todo esse período.
A voz pela Literatura
Mas o engajamento político não amainava sua inquietação e crescia em seu íntimo a vontade de escrever. Tinha quase 30 anos quando começou a fazê-lo. Só teve o seu primeiro livro publicado, no entanto, anos depois, em 1990. Com o título Balada de amor ao vento, Chiziane protagonizou um feito inédito em seu país: tornou-se a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique.
Depois de mais de 30 anos, em 2021, se tornaria a primeira mulher africana condecorada com o Camões, o prêmio literário mais importante da língua portuguesa.
Meu contato com ela aconteceu em 2022, quando esteve na Bienal Internacional do Livro em São Paulo. Foi quando me interessei por Niketche – uma história de poligamia.
Em Niketche (Cia. das Letras), a protagonista Rami narra sua história, uma mulher traída pelo marido. Ela resolve conhecer a amante e descobre o relacionamento dele com outras três mulheres. Muitas coisas acontecem entre elas, cada uma com o seu drama. Quando decidem se unir, há então a descoberta do que realmente desejam para si, a busca pela autopreservação, pelo autoconhecimento. Tudo provocado por essa niketche, ou “dança do amor”.
“...Alimentamos o corpo de sonhos e memórias de amores que duram apenas uma semana... Poligamia é isso mesmo. Encher a alma com um grão de amor. Segurar o fogo que emerge do corpo inteiro com mãos de palha. Estender os lábios à brisa que passa e colher beijos na poeira do vento. Esperar...” (in Niketche)
Paulina Chiziane tem outros livros publicados no Brasil, além de Niketche e Balada do Amor ao Vento), entre eles O alegre canto da perdiz (Ed. Dublinense), Tenta, e Ngoma Yethu, O Curandeiro e o Novo Testamento (ambos da Ed. Nandyala).
Em Balada de amor ao vento (Cia. das Letras) Sarnau se apaixona por Mwando, mas ele a abandona por mais de uma vez. Ela tenta sobreviver à solidão, entre encontros, desencontros, escolhas, renúncias e desamparo, em uma sociedade na qual as tradições dilaceram a autonomia e sobrevivência da mulher.
“...o peito queima como vela acesa no mês de Maria, o passado desfila como um rosário de recordações que já nem são recordações, mas sim vivências que se repetem no momento em que fecho os olhos transpondo a barreira do tempo...” (in Balada de amor ao vento)
Protagonismo feminino
Sim, ela fala lindamente sobre a arte da sobrevivência e do amor, sem deixar de dar protagonismo à mulher e refletir sobre a difícil condição feminina em que as mulheres africanas são submetidas. A voz de Chiziane é firme ao tecer o painel social de seu país e escancará-lo sem medo.
O que lhe rende muitas críticas, obviamente. Em uma entrevista à Revista Literária 451, ela disse: “Um dos meus maiores problemas são as temáticas que escolho, consideradas subalternas, proibidas ou tabu, como a poligamia. Mais graves ainda são a feitiçaria, as nossas crenças. Tenho um gosto especial de falar de pessoas cuja voz é abafada. São temas que não agradam a ninguém”.
Ela sabe o que fala e parece que a irritação dos que não concordam com ela cresce – tanto que uma simples timbila pode ser desculpa para muita coisa. Mas ela não teme, e já está movendo uma ação contra o pastor da igreja. Com certeza, o fato estará em um de seus próximos livros.
Para encerrar
O mês de julho foi para mim um período de muita alegria. Os dois eventos de lançamento do meu segundo livro, Contos para Saborear, foram um sucesso. Editado pela Patuá, muitas pessoas queridas estiveram comigo na Feira do Livro no Pacaembu e na Livraria Patuscada, para receber meu Contos. Muitos outros queridos o adquiriram na pré-venda. A todos, o meu muito obrigada.
Contos para saborear nasceu da minha vontade de reunir duas atividades que amo: escrever e cozinhar. Para mim, essas duas artes – Literatura e Culinária – alimentam corpo e alma, têm grande poder criativo, costuram narrativas, resgatam heranças e afetos e disseminam a cultura dos povos. Por essa razão, trago em suas páginas, além dos contos com protagonismo feminino, receitas de família, lindas recordações, coisas de minha memória afetiva. Boas histórias e receitinhas deliciosas, nas versões vegana e não vegana.
Se te deu água na boca, e você ainda não tem Contos para saborear, ele pode ser adquirido na Editora, no link https://www.editorapatua.com.br/contos-para-saborear-de-vanessa-meriqui/p ou comigo, se deseja recebê-lo autografado.
E ficarei feliz se me acompanhar nas redes sociais.
É só clicar aqui: linktr.ee/escritoravanessameriqui
Até mais
Acabei de Saborear os contos da nossa escritora do coração, Vanessa Meriqui. São deliciosos e muito nutritivos. Alimentei a alma e farei algumas deliciosas receitas para alimentar o corpo. 😋
Acabo de ler "Contos para saborear ". Fiquei satisfeita, leve e um pouco mais esperançosa. Saciar mente e corpo é muito bom.