Olá, leitora. Olá, leitor. Tudo bem?
Estou aqui feliz da vida. Há algum tempo, eu havia terminado de ler o delicioso livro Niketche: uma história de poligamia, da escritora moçambicana Paulina Chiziane. Resolvi então indicá-lo, para que todos tivessem o mesmo prazer que tive com esta leitura.
E não é que a própria Paulina Chiziane viu o meu post, curtiu e me respondeu! Ah, fiquei feliz demais da conta, como diz meu amigo Coquinho. Para mim foi uma grande honra. Por isso, resolvi falar um pouco mais dela nesta News.
Paulina Chiziane nasceu em uma pequena vila rural moçambicana, em 1955, mas logo mudou-se para a capital Maputo. Cresceu em meio a uma educação conservadora, a partir de forte formação cristã, aliada aos costumes impostos pelo colonialismo em um país dominado pelos portugueses.
Aguerrida desde muito jovem, atuou na Frente de Libertação de Moçambique, pela independência do país, que aconteceria somente em 1975, depois de anos de luta armada entre guerrilheiros moçambicanos e soldados portugueses. Logo após a independência, começou a guerra civil no país, que duraria até 1992. Paulina Chiziane continuou atuando politicamente e como voluntária na Cruz Vermelha durante todo esse período.
A escritora Paulina Chiziane (foto Divulgação)
Mas havia uma outra inquietação, além da militância política, que a fazia querer mais. No texto de sua autoria, intitulado “Eu, Mulher”, escrito em 1992 e publicado pela Unesco, ela explica que a contradição que encontrava entre o mundo que a rodeava e o mundo que residia no seu íntimo a inspiraram a escrever.
Mas aí casou-se, teve filhos. Foi em 1984, quando tinha quase 30 anos, que começou a escrever. Teve o seu primeiro livro, Balada de amor ao vento, publicado somente em 1990, protagonizando assim um fato inédito em seu país, por ser a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique.
Mais de 30 anos depois, em 2021, se tornaria a primeira mulher africana condecorada com o Prêmio Camões, prêmio literário mais importante da língua portuguesa.
Paulina Chiziane na Bienal Internacional do Livro em São Paulo, em 2022.
Eu a conheci em 2022, quando esteve na Bienal Internacional do Livro em São Paulo. Foi quando me interessei por Niketche: uma história de poligamia, o primeiro livro dela que li.
Ela tem no Brasil outrs livros publicadas, entre eles, O alegre canto da perdiz (Ed. Dublinense), Tenta (Ed. Nandyala) ou Balada do Amor ao Vento (Cia. das Letras), que estou lendo esta semana.
Em Niketche (Cia. das Letras), Rami é a protagonista e narradora da história de uma mulher traída pelo marido. Ela resolve conhecer a amante e descobre o relacionamento dele com outras três mulheres. Muitas coisas acontecem entre essas quatro mulheres quando elas decidem se unir, cada uma com sua história, com seu drama. Há então a descoberta do que elas realmente são ou querem ser, a busca pela autopreservação, pelo autoconhecimento. E tudo isso provocará essa niketche, ou “dança do amor”.
“...Alimentamos o corpo de sonhos e memórias de amores que duram apenas uma semana... Poligamia é isso mesmo. Encher a alma com um grão de amor. Segurar o fogo que emerge do corpo inteiro com mãos de palha. Estender os lábios à brisa que passa e colher beijos na poeira do vento. Esperar...”
Em Balada de amor ao vento (Cia. das Letras), Sarnau se apaixona por Mwando, mas ele a abandona por mais de uma vez. Ela tenta sobreviver à solidão, nessa história de amor que tem a relva como cenário e o vento como melodia, mas uma herança conservadora no meio de tudo. São encontros, desencontros, escolhas, renúncias, desamparo e privilégio de uma sociedade na qual as tradições dilaceram a autonomia e sobrevivência da mulher.
“...o peito queima como vela acesa no mês de Maria, o passado desfila como um rosário de recordações que já nem são recordações, mas sim vivências que se repetem no momento em que fecho os olhos transpondo a barreira do tempo...”
Voz
Eita mulher para falar bonito sobre a arte de amar!
Mas não é só isso. O que também me encanta em sua obra é o protagonismo da mulher, a reflexão sobre a difícil condição feminina em que a mulher africana ainda é submetida e sua voz firme ao tecer o painel social de seu país.
Ela não poupa ninguém, o que lhe rende muitas críticas. Em uma entrevista à Revista Literária 451, ela disse: “Um dos meus maiores problemas são as temáticas que escolho, consideradas subalternas, proibidas ou tabu, como a poligamia. Mais graves ainda são a feitiçaria, as nossas crenças. Tenho um gosto especial de falar com pessoas cuja voz é abafada. São temas que não agradam a ninguém”.
Mas o mundo lê Paulina Chiziane. Ainda bem!
Para encerrar: tem livro novo chegando!!!!
Já está marcado! Dia 15 de abril, sábado, em São Paulo, vamos receber o MARIAS agora em formato impresso, com novos contos. Marque na sua agenda. Será na Patuscada Livraria & Café, da Livraria Patuá, à tarde (R. Luís Murat, 40 - Pinheiros)
Em maio, outro livro chegando na praça, um projeto lindo que começou na Lagoa Mundaú, em Alagoas. Outra antologia de contos também está em produção. E muita vontade de respirar a literatura por, para e sobre mulheres, que tanto me tem feito feliz.
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Até a semana que vem.
Isso não é coisa de mulherzinha mesmo, Van. A garra e a determinação da Paulina Chiziane me lembra, e muito, Nélida Piñon, Lúcia Miguel Pereira, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles. Mulher fortes que nunca se calaram. Nunca. E lutaram abertamente contra a Ditadura Militar (1964-1984), inclusive nas suas obras. Quem faz arte não pode ser um alienado. Admiro demais da conta, Van, o seu trabalho cuidadoso, lírico, forte e consistente com a palavra. Forte abraço.