Nobel de Literatura 2024 vai para a escritora Han Kang
A sul-coreana é a primeira do sudeste asiático a receber a premiação
Olá, leitora. Olá leitor. Tudo bem?
Eu estava participando de uma mesa de debates na FLIP um dia antes do anúncio do Prêmio Nobel de Literatura 2024. O tema era “O protagonismo feminino na literatura contemporânea” e eu comentava que, dos 120 anos do Prêmio, apenas 17 mulheres haviam sido contempladas. Eu destacava a invisibilidade da escrita produzida por mulheres no mundo, sem deixar de informar, porém, que nesta década foram vencedoras Louise Glück (2020) e Annie Ernaux (2022).
No dia seguinte, estávamos todas comemorando a vitória da sul-coreana Han Kang!
A escritora conquistou o Nobel de Literatura 2024, de acordo com a Academia sueca, “por sua prosa poética intensa, que nos desafia a confrontar os traumas da história e a refletir sobre a fragilidade da vida humana”. De fato, sua escrita é reconhecida por retratar a cultura oriental e aspectos históricos dos costumes sul-coreanos e por revelar uma visão crítica sobre a sociedade contemporânea e a condição humana que, para a autora, são universais.
A sul-coreana Han Kang, que acaba de ganhar o Nobel de Literatura, é a primeira escritora da região do sudeste asiático a receber este prêmio. (foto: divulgação)
No Brasil, encontramos três livros dela, publicados pela Editora Todavia: A vegetariana (2007), Atos humanos (2014) e O livro branco (2016). Desses, conheço os dois primeiros.
A vegetariana embora publicado em 2007, só foi traduzido para o inglês em 2015. E logo ganhou o mundo, tanto que venceu o Internacional Man Booker Prize no ano seguinte, fazendo com que suas traduções atravessassem fronteiras. A autora participou, em 2021, da Festa Literária Internacional de Paraty (essa FLIP foi em versão online em função da pandemia de Covid-19) , em uma mesa intitulada “Vegetalize”.
Engana-se, no entanto, quem pensa que o romance trata apenas de uma pessoa que decide ser vegetariana. A narrativa é muito mais que isso. Dividido em três partes, cada uma com um narrador diferente (o marido, o cunhado e a irmã), o livro nos traz 170 páginas de uma leitura muito fluida que revela tanta, mas tanta estranheza, que já ouvi leitora e leitor dizendo que amou, outro que detestou, outro totalmente indiferente, há quem não tenha conseguido terminar, quem achou chato e quem achou maravilhoso. As diferentes opiniões não atrapalharam o seu sucesso em todo o mundo. Ao contrário, foi um livro muito lido e debatido. Eu gostei, achei um bom livro, de verdade, embora bem impactante, violento e incômodo, às vezes.
É preciso dizer que o leitor literal, ou seja, aquele que passa batido e não percebe as entrelinhas, as metáforas, as verdadeiras intenções contidas nessa história, de fato não vai se encantar. Han Kang é uma daquelas escritoras que maximiza a decisão de uma pessoa não mais querer comer carne, numa sociedade onde o alimento é praticamente cultuado. E as consequências desse ato provocam uma verdadeira comoção em sua família, não só por sua atitude como, o que é mais intrigante, seu quase total silêncio.
Apesar de estar no centro dos acontecimentos, é uma protagonista quase sem voz. Todos os outros personagens é que nos levam a ela, impõem regras, ditam normas e chegam a todo o tipo de violência, desde a física, a verbal, moral e psicológica. Quando, decide, depois de um pesadelo, a deixar de comer e cozinhar carne – e a ter repulsa pelo marido, que segundo ela cheira carne – a sua desobediência torna-se incompreensível e uma ofensa imperdoável para a família, que praticamente se dissolve a partir do que passa a ser um drama. Ela é rejeitada por todos, mas principalmente pelo marido e pelo pai autoritário, e chega a ser internada em uma clínica psiquiátrica, de onde sua irmã procura resgatá-la.
Não quero dar spoiler, mas o final é surpreendente (e muito estranho também). Bom, não é spoiler dizer que na orelha do livro Kafka é citado. O livro Metamorfose te diz alguma coisa? Pois é...
E aí, volto a citar as metáforas: quem percebe que Han Kang denuncia questões como as imposições descabidas às mulheres em um país extremamente conservador, a fragilidade das relações afetivas, os comportamentos autoritários, narcisistas e violentos como os do pai, do marido e cunhado, vai entender não só onde estão suas críticas à atual condição humana, como também porque a autora afirma escrever sobre questões universais. E foi por isso que considerei este um bom livro.
Massacre
E quem acha que A vegetariana já havia impactado o suficiente, Han Kang publica posteriormente Atos Humanos. Neste romance, ela conta um fato ocorrido em 1980 em sua cidade natal, onde centenas de estudantes e civis desarmados foram brutalmente assassinados em um massacre realizado por militares sul-coreanos. Mais uma vez ela utiliza um recurso literário que nos surpreende, quando a narrativa possibilita que as almas dos mortos sejam separadas de seus corpos, permitindo assim que testemunhem sua própria aniquilação. Confesso que precisei parar de ler este livro, comprado logo após o anúncio da premiação do Nobel. Retomo daqui a pouco, quando tiver todos os que adquiri na FLIP.
Han Kang nasceu na cidade sul-coreana de Gwangju, em 1970. Aos nove anos, se mudou com sua família para Seul, onde vive até hoje. Seu pai, Han Seung-won, é um conhecido romancista na Coreia do Sul. Além da literatura, Kang também mostra interesse em artes plásticas e música, que se refletem em seus livros. Han Kang começou sua carreira publicando uma série de poemas na revista “Literatura e Sociedade”, a partir de 1993, faz sua estreia em prosa com a coleção de contos Amor de Yeosu, para embarcar em romances, como Suas Mãos Frias, de 2002.
Pelas temáticas que aborda, por trazer um cenário sul-coreano muito distante dos famosos e açucarados doramas que tanto sucesso fazem no mundo, e pela liberdade da escrita inusitada que traz a seus leitores, buscando um cenário mais igualitário entre os gêneros, há que se comemorar o Nobel recebido por Han Kang.
Para encerrar
Já falei e repeti muitas vezes nas redes sociais sobre a minha alegria de participar da FLIP deste ano. Fui com um objetivo e voltei com vários. Mas sem perder a minha visão de que a Literatura, para ser a cura da alma, deve ser íntegra, despida de vaidade. E tudo deu certo.
Desde a sessão de autógrafos do meu último livro Contos para Saborear, na Casa Gueto, ao o encontro com as autoras Ana Marice, Karine Asth, Anne Valerry e Liz Negrão, para uma mesa com o tema “O protagonismo feminino na literatura contemporânea”, na Casa Caravana, tudo foi lindo. Sem contar os encontros com amigos, conhecer autores de todo o Brasil, os debates e as mesas sobre Literatura e as descobertas que Paraty me propiciou. Ano que vem estarei lá novamente!
Agradeço quem esteve comigo lá, aqui e acolá.
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