“Não cortaremos os pulsos, ao contrário...
... costuraremos com linha dupla as feridas abertas.”
Olá, leitora, olá leitor. Tudo bem?
Vocês devem ter percebido que título e intertítulo dessa newsletter é uma frase – uma das mais impactantes que já li. Sempre que necessito de encorajamento, penso nesta frase. Ela é de autoria de Lygia Fagundes Telles, que acredito seja uma das escritoras mais importantes do mundo contemporâneo. Sim, não falei só do Brasil. Levanta a mão aqui quem concorda comigo que estamos falando de uma das mais completas escritoras de todo o mundo literário!
Considerada por acadêmicos, críticos e leitores como uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX e da história da literatura brasileira, Lygia Fagundes Telles foi romancista e contista, além de advogada atuante. Difícil reduzir em poucas palavras sua biografia, assim como sua vasta obra.
E a razão de abrir esta News com uma frase dela é que hoje, dia 19 de abril, ela faria aniversário. E como tudo na vida dessa grande mulher dá uma boa história, durante muito tempo acreditou-se que ela havia nascido em 1923, portanto estaria completando cem anos hoje. No entanto, depois que ela morreu, no dia 3 de abril 1922, que se divulgou que ela havia nascido em 1918, portanto, ela já era uma dama centenária quando partiu. Há quem diga que a escolha da data foi dela. E se foi de seus biógrafos não importa. Mais uma vez trago uma de suas frases para que não precisemos nos preocupar com isso:
A beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio tom, nessa incerteza.
Lygia, a meu ver, é única, porque ler sua obra é ter contato com o que há de mais verdadeiro com aquilo que somos. Ela trata de questões universais, com grande foco para temáticas femininas, temas tocantes, dramáticos, irônicos, como que falando de nossa vida, acontecendo ali, dentro de nossa casa. E o faz com tanta maestria, com tanta elegância e, ao mesmo tempo, com narrativa tão simples, que nos emociona, nos impacta, nos arrebata.
Ela publicou, ao longo de sua vida literária, mais de 25 livros, entre romances e crônicas. A participação em antologias e coletâneas também é muito grande.
Seu interesse por literatura começou na adolescência: com 15 anos, publicou seu primeiro livro de contos, "Porão e Sobrado". Mas a estreia oficial na literatura aconteceu em 1944, com o volume de contos "Praia Viva". Em 1947, casou-se com o seu professor de direito internacional, o jurista Goffredo Telles Júnior, com quem teve um filho. Em 1949, três anos depois do término do curso de Direito, a escritora publicou seu terceiro livro de contos, “O Cacto Vermelho”, com o qual recebeu o Prêmio Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras. Em 1954, lança o seu primeiro romance “Ciranda de Pedra” e, em 1958, outro livro de contos "História do Desencontro", que recebeu o Prêmio Artur Azevedo do Instituto Nacional do Livro.
Em 1960, separou-se do primeiro marido; em 1963 casou-se com o ensaísta e crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes. Nesse mesmo ano, publicou seu segundo romance “Verão no Aquário”, que recebeu o Prêmio Jabuti. O livro de contos “Antes do Baile Verde” é publicado em 1970 e recebe o Prêmio Internacional de Escritoras, na França.
E, em 1973, ela lança “As Meninas”, que se tornaria um dos seus mais importantes romances, com o qual receberia outro Prêmio Jabuti. Este romance teria um outro grau de importância para o País.
Lygia, que em plena ditadura militar não escondia seu engajamento político e comprometimento com a democracia, vai denunciar neste livro os horrores da tortura praticada pelo governo militar no Brasil, em um diálogo que começa até bem singelo, no qual uma das meninas lê para a freira responsável pelo pensionato onde moram a carta que chegou às suas mãos, escrita por um preso político. O texto descreve as barbaridades das torturas que o rapaz sofreu nos porões da ditadura, um relato terrível e repugnante, para dizer o mínimo.
O livro passou pelo censor, que não chegou a ler até o final – portanto, não viu esse trecho, liberando-o sem cortes. O mais sinistro e cômico (se não fosse trágico) é que ele ainda registrou em seu parecer que aquele romance era “coisa de mulher”.
Sim, coisa de mulher mesmo, coisa de coragem, de ousadia. E para nossa sorte, está lá, na ousada escrita de Lygia, a denúncia que poucos tiveram coragem de fazer à época. E, se neste livro há tão dolorosas palavras, há também momentos da mais pura magia, como a seguir:
Agora, diz aí se “...sorriso modesto posto no chão” ou “...suspirou com ênfase” não são expressões de arrepiar!
E o que dizer dos contos? Livros como Antes do Baile Verde, Seminário dos Ratos, Coração Ardente, entre outros, são fantásticos, profundos, verdadeiros e, alguns, cruéis. Alguém aí leu o conto “Venha ver o pôr do sol” ? Sugiro que leiam e depois conversaremos aqui sobre o que ele nos traz.
Prêmios
Desde muito jovem já transitava pelos caminhos literários, participou do movimento Pós-Modernista, foi membro da Academia Paulista de Letras, da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa. Também sempre chamou atenção sua figura pública, vale a pena dar uma lida sobre coisas muito boas que ela fez no âmbito da Educação e Cultura, como lutar por bibliotecas e dirigir a Cinemateca, criada por seu marido, Paulo Emílio Salles Gomes, há mais de 60 anos. Ema foi presidente de honra da instituição desde a morte dele, em 1976.
Ao longo de sua carreira, Lygia recebeu importantes prêmios literários nacionais e internacionais, como o Prêmio Jabuti nas categorias de Contos e Crônicas e Romance; o Prêmio Coelho Neto; o Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros na França; o Troféu APCA várias vezes; e o Prêmio Camões, o mais importante prêmio concedido para a Literatura produzida em português.
E quase foi Nobel de Literatura
A maior distinção viria em 2016, quando Lygia, aos 98 anos, torna-se a primeira mulher brasileira a ser indicada ao Prêmio Nobel de Literatura. Mais uma vez ficou claro ali o que a gente já sabe sobre o Nobel: valorização da supremacia masculina e eurocentrismo na Literatura. A própria Lygia, em uma de suas entrevistas, foi bem direta, como era seu costume:
“...Sou uma escritora do Terceiro Mundo, uma escritora engajada nos horrores das diferenças sociais, uma escritora num país de miseráveis e analfabetos. [...] Aqui, os que sabem ler, não leem. Os que compram livros também não leem. [...] Fala-se muito em prêmios. Ora, os prêmios... Escrevemos numa língua desconhecida. Desprestigiada. Não somos lidos nem na América Latina, quem nos conhece na Venezuela? No Chile? Na Colômbia? Participei em Cáli de um encontro da nova narrativa sul-americana, fui para falar do meu trabalho. E acabei informando ao público de escritores sul-americanos que a nossa língua era o português.”
Estava certa, não levou porque foi decisão do Nobel entregá-lo a um homem, o CANTOR Bob Dylan!
Bom, depois dessa, vou ficando por aqui.
E para encerrar
Agradeço, com emoção, a todos os votos de sucesso pelo lançamento do meu livro MARIAS, ocorrido no sábado passado. Agradeço quem esteve na festa, quem não esteve, mas se lembrou; quem não se lembrou, mas está me parabenizando durante todos esses dias e quem, mesmo sem me conhecer, tem me procurado para saber mais sobre o livro.
É isso, vamos fazer nossa parte, produzir literatura, falar sobre, por e para mulheres.
Semana que vem tem mais. Se você gostou, compartilhe esta publicação.
E vai uma dica: que tal favoritar este email para que a newsletter não caia na caixa de promoções ou spam? Assim, você a receberá toda semana, com certeza.
E te convido a me seguir nas redes sociais. Clique no link
linktr.ee/escritoravanessameriqui
Até mais.
Lygia Fagundes Telles é maravilhosa, Van. Os contos dela me lembram, e muito, os contos primorosos de Gabriel Garcia Marquez. Além de uma excelente romancista. Estou degustando o seu "Marias". E pra variar, gostando demais. Meus parabéns!