Olá, leitora. Olá, leitor. Tudo bem?
A News desta semana não poderia ter foco em outra pessoa a não ser no da aniversariante do domingo, 20 de agosto. Dona Anna Lins do Guimarães Peixoto Bretas, ou simplesmente Cora Coralina, que nasceu neste dia no ano de 1889, em Goiás.
Estou usando as redes sociais para fazer a minha homenagem a ela, lendo pequenos trechos de poesia e contos, publicados em seus livros. Mas sempre é pouco, quero falar mais dela aqui.
E se você não a conhece, já fica aqui o convite para correr atrás. É puro encantamento.
A menina Anna Lins, mais tarde a doceira dona Aninha, e depois nossa Cora Coralina, que publicou seu primeiro livro quando tinha 76 anos, nos encantando com sua prosa e poesia.
Não sei exatamente quando a li pela primeira vez, mas foi avassalador. Tanto que, alguns anos depois, quando meu amigo, o escritor e pesquisador João Luiz do Couto, montou o espetáculo Colcha de Retalhos – Alinhavando histórias pelo Brasil e me chamou para participar da dramaturgia, de cara perguntei se não poderia colocar Cora Coralina em alguma parte. Ele disse que sim, entrou em contato com dona Vicência, filha da poeta, que nos autorizou a usar um poema de Cora. E desde então, eu encerro o espetáculo com o belíssimo poema Todas as vidas.
Ele faz parte do livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, seu primeiro livro, publicado em 1965, pela Editora José Olympio, quando estava prestes a completar 76 anos. Até então, muita água tinha passado por baixo da ponte da casa onde viveu e na sua vida.
Primeiro livro de Cora Coralina, publicado quando ela tinha quase 76 anos, apesar de escrever desde a adolescência. À esquerda, capa da primeira edição, publicada pela José Olympio.
Casou, mudou, endereço não deixou
Sua biografia é longa e repleta de episódios que seus biógrafos tanto destacaram e não vou reproduzir aqui. Mas é preciso dizer que, embora desde adolescente já escrevesse e publicasse alguns poemas em jornais da região da cidade de Goiás, onde nasceu, a vida fez com que ela deixasse seus escritos de lado, aos 22 anos, para se casar e acompanhar o marido, que era chefe de polícia.
Grávida, viajando a cavalo, saiu de Goiás rumo a Jaboticabal, em São Paulo, onde tornou-se dona de casa, teve seis filhos e não mais escreveu. Assim que ficou viúva, começou a trabalhar, vendendo livros para a Editora José Olympio. Mudou-se, mais tarde, para diversas outras cidades paulistas, onde fez diversos tipos de trabalhos.
O casamento a afastou de Goiás por 45 anos. Em 1956, ela volta às suas origens, exatamente na mesma casa onde passara a infância – a casa da ponte, eternizada em seus escritos, e onde inicia uma nova atividade, a de doceira. Foi entre imensos tachos de doces caramelizando que Cora escreveu a maioria de seus versos.
Foi ali também que decidiu assumir o pseudônimo com o qual assinava seus poemas: Cora Coralina, que substituiu para sempre o seu nome, Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas.
Cora e Drummond
Aos 76 anos, quando seu primeiro livro é lançado, possivelmente dona Aninha, como era conhecida a doceira da casa da ponte, não esperava que nada mais de muito tumultuado acontecesse em sua vida. Onze anos depois da primeira edição de Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais, ela publicaria Meu Livro de Cordel. Finalmente, em 1983, lança Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha.
Aconteceu que, nesse meio tempo, em 1978, a segunda edição de Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais foi reeditado pela Universidade Federal de Goiás. E, para nossa sorte, acabou chegando às mãos do poeta Carlos Drummond de Andrade, que dispensa apresentações. Tão encantado ficou com os versos de Cora, que escreveu uma carta para ela, reproduzida aqui:
Pronto! As palavras e a admiração de Drummond levaram a poesia de Cora Coralina para fronteiras além Goiás, além Brasil. Ela passou a ser reconhecida. Tinha então 90 anos.
A admiração cresceu por todo o Brasil. Drummond virou fã. Ao ler o livro Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha, ele escreveria outra carta: “Minha querida amiga Cora Coralina: Seu Vintém de Cobre é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia...”
Outros livros de Cora Coralina, que tanto encantaram Drummond e o Brasil. (Ed. Global)
A partir daí, sua produção literária não parou mais. Ela escreveu poemas, contos, crônicas, publicou outros livros, foi eleita intelectual do ano em 1983 e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores. No mesmo ano recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás.
A Casa Velha da Ponte
Um episódio que marcou minha vida foi quando meu amigo João Luiz do Couto me levou, meio que de surpresa, até a cidade de Goiás Velho, em meio ao sucesso do Colcha de Retalhos. Aliás, foi em uma das viagens que fizemos com este espetáculo que ele me deu este presente. Ao chegar lá, sabia do que se tratava e chorei feito uma criança, antes mesmo de entrar na Casa Velha da Ponte, hoje Museu Casa Cora Coralina.
Ela fica à beira do Rio Vermelho, de onde Cora tirou inspiração para tantos poemas sobre as lavadeiras que ali trabalhavam diariamente. Ao entrar na casa, com o coração aos pulos, me deparei com o cenário do seu cotidiano: sobre o fogão à lenha estavam os tachos nos quais fazia doces; a bengala encostada na poltrona onde costumava sentar-se e, acima, um quadro com uma foto dela como que nos convidando a entrar; a máquina de escrever sobre a mesinha de seu quarto (sim, ela foi aprender datilografia aos setenta anos, para poder enviar seus escritos datilografados aos editores). E as paredes repletas de poemas!
Me emocionei com o que ela fez para Maria Grampinho, figura folclórica da cidade, que ia para a casa velha da ponte só para dormir, o que fez por 26 anos. Andarilha pelas ruas da cidade, prendia em sua roupa tudo o que encontrava pela frente como plásticos, retalhos e botões velhos. Também usava muitos grampos no cabelo e, por isso, ganhou este apelido. Cora a tinha como amiga e escreveu um longo poema sobre ela, publicado no livro Vintém de Cobre. Abaixo, só um pequeno trecho do que li em uma das paredes do Museu:
Para encerrar
Espero que esta News ter estimulado a ler Cora Coralina. Eu poderia falar dos meus poemas preferidos, mas são muitos. Destaco só mais um, que foi publicado em seu primeiro livro e hoje tem uma edição especial. Chama-se O prato azul-pombinho. Nos versos, há uma mescla da lenda da princesa Lili – criada e contada pela bisavó da autora, a partir dos desenhos do fundo do prato – com suas lembranças de sua infância em Goiás Velho. Era um prato único, remanescente de um aparelho antigo de 92 peças. Um dia o prato apareceu quebrado e Cora é considerada culpada. Como castigo, carregou por muito tempo no pescoço, amarrado em um cordão, um caco do prato, que acabou virando seu colar por muitos anos. A poesia que ela coloca ao contar esta história é maravilhosa, que inspirou um livro infantil e um também filme.
Enfim, há muita coisa publicada com a comovente, rica e profunda escrita de dona Aninha, a Cora Coralina.
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Até semana que vem
Cora Coralina. Eu a conheci quando Drummond deu notícias dela no jornal. Assim que soube de sua existência, arranjei modo de comprar os livros dela. E hoje tenho todos, lidos e comprados. Cora Coralina e Manoel de Barros eu os conheci depois de mais velhos. Mas mexeram, e muito, com o meu fazer poético. E pra variar, Van, gostei demais da conta de seu texto. Meus parabéns!