Olá, leitora. Olá, leitor. Tudo bem?
Estou amando ler Cecília Meireles esta semana. Ela é muito lembrada este mês por conta da data de seu aniversário de nascimento, 7 de novembro e, coincidentemente, de morte, dia 9 do mesmo mês.
Não dá para não falar dela, principalmente depois de ler seus poemas. “Eu canto porque o instante existe”, embora muitos pensem que foi criação do cantor Fagner, quem nos disse foi Cecília Meireles há mais de 80 anos. Esse verso é poderosíssimo e sempre me norteou. É como um portal que me convida para o instante: minha palavra existe, eu devo dizê-la; meu sentimento é vivo, eu devo senti-lo; minha voz aqui está, devo usá-la. É o que tento fazer.
Mas vamos ao poema, chamado Motivo, publicado no seu livro Viagem, em 1939.
MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei.
Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Solidão e silêncio
Cecília Meireles nasceu em 1901. Viveu uma infância de muitas perdas. Antes de nascer, sua mãe já havia perdido seus outros filhos: Carlos, Vítor e Carmem. Seu pai morreu três meses antes do nascimento de Cecília. E quando ela completou três anos, sua mãe também morreu. Ela foi morar com a avó materna, dona Jacinta, uma portuguesa nascida em Açores, na época viúva e única sobrevivente da família. Cheia de cuidados, sua avó não a deixava sair de casa para brincar, mesmo quando era chamada por outras crianças. Foi uma infância solitária, que segundo a própria Cecília lhe renderam duas coisas positivas para sua futura vida literária: "a solidão e o silêncio". Nada básica, não é.
Cecília Meireles foi poeta, cronista, tradutora, educadora e jornalista (foto: divulgação)
Aos 18 anos publicou seu primeiro livro de poemas e nunca mais parou. Em 1964, ano em que morreu, aos 63 anos, ainda teve publicado o livro Escolha os seus sonhos, com 45 crônicas, nas quais aborda, em textos curtos, acontecimentos que partem do cotidiano e criam asas, luzes, cores, saltando da vida real para o universo dos sonhos.
Ela viveu a efervescência do Modernismo brasileiro, embora tenha tido pouco contato com a galera da Semana de 22 - destacou-se entre o grupo considerado da segunda fase do Modernismo, na década de 1930 e foi muito reconhecida por todos os poetas brasileiros.
Uma das batalhas de Cecília Meireles foi a de não ser chamada de “poetisa”, e sim de poeta, por entender que não há caminho distinto por conta do gênero de quem escreve, basta ver o poema Motivo, acima. Adorei saber disso, é o mesmo quando combatemos a expressão “literatura feminina”. Quando o homem escreve é Literatura, quando a mulher escreve precisa diferenciar como “feminina”? Claro que não, pois é Literatura do mesmo jeito!
Bem, voltando à escritora, entre o primeiro e o último livro, ela fez muito, pois além de poeta, foi cronista, educadora, jornalista e tradutora literária. Ela conhecia inglês, francês, italiano, alemão, russo, espanhol, hebraico e dialetos do grupo indo-iraniano, tendo aprendido o sânscrito e hindi. Entre as obras que traduziu para o português estão poemas do indiano Rabindranath Tagore (pelo que recebeu título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Delhi na Índia), além de Charles Dickens, François Perroux, Alexandre Pushkin, Rainer Maria Rilke, Virginia Woolf e García Lorca.
E ainda casou-se e criou três filhas.
Na Educação
Como educadora, também arrasou. Começou sua carreira de docente como professora primária, terminou como professora universitária de Literatura e Crítica Literária, inclusive no exterior. Mas foi para os pequenos que demonstrou outro lado de sua grande dedicação à Educação, pois como havia à época poucos livros didáticos, ela começou a escrevê-los. Isso com pouco mais de 20 anos.
Foi também diretora de colégio e fundou a primeira biblioteca infantil do Brasil, isso em 1934, em Botafogo, no Rio de Janeiro. E como se fosse pouco, manteve durante anos, no tradicional jornal carioca Diário de Notícias, uma coluna diária sobre Educação.
A poesia
Os poemas de Cecília Meireles embalaram a minha adolescência, mas somente a maturidade de fez ver o quanto ela foi importante. Um dos que gosto demais é “Retrato”, também publicado no livro Viagem, de 1939, que inclusive recebeu o prêmio da Academia Brasileira de Letras.
RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Outro que adoro é “Encomenda”, mais um bastante intimista, do livro “Vaga Música”, publicado em 1942. Nele, sinto que Cecília Meireles nos traz um lembrete delicado, mas contundente, sobre a efemeridade da vida, foco, aliás, do livro todo.
ENCOMENDA
Desejo uma fotografia
como esta — o senhor vê? — como esta:
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia…
Não… Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.
Para encerrar
Sou muito grata à vida e à arte de Cecília Meireles. Senti um enorme prazer em falar dela aqui na News e nas redes sociais. Espero que você tenha gostado também. Por isso te convido a ler a obra dessa grande escritora.
Peço também que me ajude a divulgar este meu trabalho. É preciso que falemos de Cecília, assim como de tantas outras escritoras.
Te convido também para estar comigo nas redes sociais. É só clicar no link abaixo:
linktr.ee/escritoravanessameriqui
Até a próxima
Cecília Meireles, Van, sofreu uma perseguição danada do governo de Getúlio Vargas. Basicamente por ser uma mulher forte, determinada e não rezar na cartilha do caudilho Getúlio. Mas enfim, o que mais me chamou a atenção agora nesse seu belo texto foi a referência à tal "literatura feminina". E pior, parece que as escritoras incorporaram mais esse rótulo. E criando suas bolhas. Literatura é literatura e ponto final. Um bom texto não tem gênero, mas gênio, beleza, precisão e magia. O que os seus textos têm de sobra. Meus parabéns, Van. Forte abraço. Sucesso.