Olá, leitora, olá leitor. Tudo bem?
O balanço da Feira do Livro da Praça Charles Miller – realizada em São Paulo no começo do mês e que já se configura como importante evento literário nacional – revela que o livro Tudo sobre o amor – novas perspectivas, de bell hooks, lançado pela Editora Elefante, foi um dos mais vendidos. Não por acaso. Acredito que Tudo sobre o amor seja aquilo que o mundo inteiro está precisando ler e absorver.
Mas antes do livro, vamos falar de sua autora, nascida em 1952, no sul dos Estados Unidos e batizada como Gloria Jean Watkins. O nome bell hooks – sim, sempre grafado com letras minúsculas por opção da própria – é uma homenagem à sua bisavó, Bell Blair Hooks. A letra minúscula foi uma postura defendida pela autora para dar mais enfoque ao conteúdo da sua escrita e não à sua pessoa, conforme passou a vida explicando.
bell hooks foi escritora, professora, teórica feminista, artista e ativista antirracista. Nasceu nos EUA em 1952 e morreu em 2021. (foto divulgação)
Li o primeiro livro de bell hooks, Ensinando a transgredir: a Educação como prática da liberdade, há alguns anos, quando fiz um ciclo de palestras para professores e estudantes de Pedagogia sobre afetividade em sala de aula. Embora muitos tenham estranhado o título – “como assim, vamos ensinar alunos a transgredir, a desobedecer e a desrespeitar a profa?” foram as primeiras manifestações que eu ouvi – consegui convencê-las de que esse era um dos livros mais amorosos que eu havia lido acerca do ato de educar.
A pedagogia crítica e a educação de liberdade são as bases desse ensaio que demonstra a importância da educação como prática social humanista. Nele, bell hooks defende uma pedagogia engajada, que enfatiza a participação mútua, a partir do pressuposto que boa parte dos sistemas educacionais, principalmente em países como Brasil, herdam os padrões europeu e norte-americano de ensino, excludentes de várias formas. Ela parte daí para fazer sua análise, com forte influência do grande educador brasileiro Paulo Freire. Ela diz:
“A academia não é o paraíso, mas o aprendizado é um lugar onde paraíso pode ser criado. A sala de aula com todas suas limitações continua sendo ambiente de possibilidades. Nesse campo de possibilidades, temos a oportunidade e trabalhar pela liberdade, exigir de nós e de nossos camaradas uma abertura da mente e do coração que nos permite encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginemos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como prática da liberdade...”
Bell hooks começou sua carreira acadêmica, em 1976, depois de concluir sua graduação em Letras, mestrado em Inglês e doutorado em Literatura Inglesa. Durante este período, ela já havia escrito poemas e ensaios, sem ainda conseguir publicá-los. (foto divulgação)
O seu primeiro livro, intitulado E lá nós choramos, foi de poemas e publicado em 1978. Ela escreveria mais 40 depois dele, hoje editados em 15 idiomas diferentes, resultado de seu trabalho como escritora, ensaísta, professora, teórica feminista e ativista antirracista. São ensaios, poesia, críticas de arte e cinema, infantis, todos muito lindos e sempre com foco na intersecção de raça, política e gênero.
bell hooks começou sua carreira acadêmica em 1976, depois de concluir graduação em Letras, mestrado em Inglês e doutorado em Literatura Inglesa. Mas foi em 1971, com 19 anos, que começou a escrever o livro E Eu Não Sou Uma Mulher? Mulheres Negras e Feminismo. A obra seria publicada somente uma década depois e obteve grande reconhecimento acadêmico pela contribuição para o pensamento feminista moderno.
A autora sempre citou sua mãe, Rosa Bell, a quem endereçava a inspiração para escrever esse livro, por ter sido uma mulher que incentivou as seis filhas a serem capazes de cuidar de si sem jamais dependerem de um homem. Anos depois E eu não sou uma mulher? Foi avaliado nos EUA como um dos vinte livros mais influentes escritos por mulheres nos vinte anos anteriores.
Atualmente, estou lendo Ensinando pensamento crítico - sabedoria prática, que é uma continuação do Ensinando a transgredir. Estes dois, juntos com o Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança, fazem parte da trilogia do ensino escrita por bell hooks entre os anos 1990 e 2000.
Neste, a escritora mantém o seu foco em pedagogia engajada, sobre vida intelectual, feminismo e racismo no ambiente de ensino, tudo com base nos trinta anos em que exerceu a profissão de professora. Também aqui ela dialoga com Paulo Freire para construir um panorama da prática da liberdade por meio do diálogo. Com humor, ela elenca 32 “ensinamentos”, para falar de questões como integridade, colaboração, imaginação, autoestima ou aprendizado que supera o ódio. Há um capítulo sobre contar histórias, título de um dos seus ensinamentos, onde ela diz:
“Eu já contei muitas histórias sobre minha infância, escrevendo memórias, teoria feminista ou textos sobre raça e classe. Já usei fragmentos – e às vezes pedaços grandes – de memórias como catalisadores para artigos críticos, para crítica cultural ou livros infantis... Para mim, as histórias conferem à escrita uma intimidade frequentemente ausente quando há apenas teoria pura”.
E, claro, eu não poderia deixar de destacar um dos mais lindos livros de literatura infantil escritos por ela, publicado originalmente em 1999 e editado no Brasil pela Editora Boitatá, em 2018. Meu crespo é de rainha trouxe dignidade e autoestima a muitas meninas afrodescendentes que sofrem com seus cabelos, considerados completamente fora do padrão dos tão desejados lisos e, se possível, loiros.
Com rimas delicadas, bell hooks ensina às crianças que “cabelos assim são macios como algodão”, “cheio de chamego e de aconchego”, que podem ser presos ou livres, leves e soltos, cabelo para pentear, para trançar ou brincar... lição de autoestima, confiança e amor próprio – coisas que muitas meninas precisam ouvir, desenvolver e incorporar, para crescerem mulheres que se respeitam e se fazem respeitar.
Tenho muito a aprender ainda com ela. Mas para mim o legado de bell hooks foi nos mostrar que é preciso respeito, que o feminismo é para todos, que educação é também transgressão, que o racismo é cruel e que o amor não é privilégio só de alguns. Por isso tudo (e que não é pouco) te convido a ler a sua obra.
E para encerrar
Exatamente hoje estou aqui comemorando a edição nº 50 de “Isso não é coisa de mulherzinha”. Há 50 semanas eu leio, pesquiso, preparo e divulgo aqui nesta news literatura produzida por, para e sobre mulheres, um trabalho que tem me dado enorme prazer.
Estou, portanto, muito grata pela atenção de vocês, que já somam mais de 200 leitoras e leitores e que dividem aqui comigo, semanalmente, esse mundo literário tão rico.
E que tal me ajudar a divulgar esta newsletter? É só repassar o link e convidar amigas e amigos lerem. Vamos compartilhar o trabalho de mulheres, que falam e escrevem sobre e para mulheres, e que considero que todo homem também deva ler.
Te convido ainda a me acompanhar nas mídias sociais. Lá tem um monte de dicas boas sobre leitura.
linktr.ee/escritoravanessameriqui
Te espero na próxima semana
Abração
Obrigada pela expansiva pesquisa tua, que nós traz um universo de boa literatura em diversos temas. Você dialoga e caminha com tanta propriedade, eu vou ler.
Obrigada 😌
Meus parabéns, Van. 50 semanas, 50 belos textos para e sobre mulheres. Graças a você eu ampliei o meu espaço de leitura de autoras nacionais e estrangeiras. Muitas delas eu tomei conhecimento aqui na sua newsletter. Mais uma vez, meus parabéns!